Você, como a grande maioria, deve ter muitas dúvidas sobre a importância da culpa pelo fim da relação e seu peso nas ações de divórcio.
Mas para a justiça hoje importa de fato quem foi o culpado pelo fim da relação? A culpa é ou não pré-requisito para a decretação do divórcio? Há como cobrar danos morais e cíveis pela culpa no divórcio?
São muitas as dúvidas ainda existentes sobre estas questões e a maioria delas têm origem na forma como a culpa era tratada antes da emenda constitucional 66/2010 e em razão disso vamos fazer uma breve introdução sobre a forma como era tratada a culpa nas ações de divórcio antes e depois da referida emenda, para esclarecer mais esse assunto para você:
Na época do famigerado “desquite”, o art. 317 do antigo código civil dizia que a sociedade conjugal poderia ser dissolvida, de forma litigiosa, ou seja, com culpa de uma ou de ambas as partes, caso ocorresse o adultério, tentativa de morte, sevícia, injúria grave ou abandono do lar por mais de dois anos, onde era necessária a prova de um destes fatos expressamente enumerados na lei.
No que diz respeito ao adultério, para o efeito criminal, o flagrante era (e ainda é) essencial, sendo certo que este instituto legal está em desuso, o adultério como crime e a condenação nesses casos virou uma raridade.
Já na esfera cível o flagrante não era tão essencial e era provado por outros meios, contundentes, circunstanciais, indiciários, sendo a prova é mais fácil que no crime.
O art. 5. da Lei n. 6.515 de 26 de dezembro de 1977, a chamada “Lei do Divórcio” ainda previa que : “A separação judicial poderá ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum”.
Conduta desonrosa, no caso, seria a falta de um comportamento ético, ainda que fora do casamento, que ferisse a honra, o decoro do outro cônjuge, tais como a condenação por crime infamante, estupro, sodomia, alcoolismo crônico, crimes ou mesmo desvios administrativos, com culpa ou com dolo, a corrupção, a falsificação, o próprio estelionato sucessivo, homicídio, corrupção de menores, vadiagem, exploração do lenocínio e até uma condenação penal, ainda que negada, não afastava a imputabilidade a nível cível, podendo ser apreciada pelo magistrado.
Havia ainda a falta pelo cônjuge dito culpado do seu dever de assistência – abandono moral (conforto na morte do filho, na doença grave) ou material (não prestação de alimentos) – exigido pelo art. 231, III do Código civil e, em consonância com as modernidades a transexualidade (mudança de sexo), também tida como fato capaz de conduzir à separação.
A chamada insuportabilidade era tida como aquela causa que tornara insuportável a vida conjugal, sempre dentro do contexto de vida e cultura dos cônjuges, de forma a admitir ou não a culpa à vista da situação de vida do casal como um todo, aí incluídas questões religiosas, familiares, de origem, cultura etc…
Feita esta introdução, vamos falar sobre a apreciação da culpa nas ações de divórcio após a emenda constitucional 66/2010.
A APRECIAÇÃO DA CULPA APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL 66/2010
Após a Emenda Constitucional nº 66/2010 surgiram dúvidas sobre a continuidade da existência do instituto da separação judicial bem como sobre a possibilidade de discussão da culpa pelo fim do casamento.
Nosso entendimento é o de que o legislador aboliu a separação judicial de nosso ordenamento jurídico permitindo aos casais optar diretamente pelo divorcio sem a necessidade de continuar a observar prazos e outros requisitos antigamente previstos, tais como os dois anos de separação de fato ou ainda a comprovação da culpa pelo fim do casamento.
A opção do legislador está de acordo com a jurisprudência dominante já que estes dispositivos estavam em desacordo com a realidade da vida moderna, sendo anacrônicos, já que obrigar casais que não se amam e, por via de conseqüência têm uma vida insuportável juntos, a aguardar dois anos para o divórcio direto ou mesmo esperar um ano após a separação judicial para requerer a conversão da separação em divórcio é hoje algo impensável.
Portanto, após a emenda constitucional 66/2010 o divórcio é direto e os casais estão autorizados a romper o vínculo conjugal a qualquer momento, dispensando-se os antigos pré-requisitos sem os quais não era possível a dissolução do vínculo conjugal.
Assim, a nosso ver, todos os outros artigos que tratam da separação judicial e que não se coadunem á legislação aplicável ao divórcio foram tacitamente derrogados, apesar de haver ainda alguns autores que entendem que o fato dos referidos artigos não terem sido revogados expressamente permitiria que se usasse a antiga separação judicial de forma opcional, como no caso do casal que quisesse um tempo para pensar, utilizando-se desta antiga via e, caso decidissem reatar a relação, bastaria restabelecer a sociedade conjugal, como é previsto no artigo 1.577 do Código Civil.
Discordamos dessa opinião pela sua pouca utilidade já que nesses casos o casal pode separar-se de fato, separação esta que continua a existir no nosso ordenamento, antes de decidir pelo reatamento da relação ou pelo divórcio, que também não é impeditivo para que casais mesmo divorciados se casem de novo o que, aliás, também é comum.
Portanto o divórcio após a alteração constitucional pode ser realizado a qualquer tempo, passando o lapso temporal da união a ser irrelevante juridicamente, por exemplo, o casal pode se casar hoje e, após algumas horas, entrar com o pedido de divórcio.
Assim, não há qualquer requisito para o pedido de divórcio, a não ser o casamento válido anterior, sendo desnecessária a comprovação de que a vida em comum tornou-se insuportável, bastando que um dos cônjuges o deseje.
Por todas as razões já expostas, a doutrina majoritariamente entende que a culpa não pode mais ser discutida nas ações de divórcio, sob o argumento de se evitar a demora processual e o óbvio desgaste que alegações de culpa conjugal trazem ao debate dos ex-cônjuges em litígio e que na maioria das vezes visa apenas e tão somente utilizar o Judiciário como instrumento de vingança em face daquele que causou no outro mágoa e sofrimento.
Portanto, a culpa não é mais uma forma de protelar a decisão que põe fim ao casamento já que o divórcio será concedido independentemente do motivo do fim do casamento, passando a culpa de um ou ambos os cônjuges para a dissolução do vínculo ou para o fim da comunhão de vidas a ser irrelevante.
Mas é importante salientar que a culpa não desapareceu das ações do direito de família, mas será ignorada apenas para os efeitos da decretação do divórcio, com vistas à celeridade, podendo o cônjuge ofendido imputar ao outro a reparação por dano eventualmente causado, seja material ou moral o que emana da quebra dos deveres expressos no art. 1.566 do Código Civil e não se confunde com a ruptura comum do laço conjugal havida pelo desamor.
Assim, quando a extinção da relação fundar-se na quebra dos deveres conjugais, a culpa proporcionará fundamentos necessários para o reconhecimento da responsabilidade civil, com base no rompimento dos deveres presentes a toda relação conjugal, gerando a possibilidade de indenização por eventuais danos causados, inclusive o dano moral, que será debatida no âmbito jurídico adequado em que surtirá efeitos, quais sejam: a ação autônoma de alimentos ou eventual ação de indenização promovida pelo cônjuge que sofreu danos morais, materiais ou estéticos.
Entre as consequências decorrentes da culpa no divórcio pode-se mencionar também a perda do sobrenome e da guarda dos filhos, prevista no art. 1.578 do Código Civil.
Portanto, concluímos que se terminar a relação e sobrevierem danos à intimidade, à honra, à personalidade de um dos cônjuges, mesmo não tendo o Direito de Família uma norma de responsabilidade civil, a proteção se dará pelos princípios gerais da reparação civil, havendo de se verificar a conduta culposa para estabelecer a reparação ou compensação pelos danos oriundos do rompimento conjugal.