Compilação do texto Kátia Maria Felipe Estol; Maria Cristina Ferreira
A participação da família na direção e gerenciamento das empresas familiares pode desencadear conflitos relacionados às dificuldades de se separarem as relações familiares das decisões profissionais e esses conflitos costumam se agravar e vir à tona principalmente durante o processo sucessório, especialmente quando o fundador abre mão do poder para o seu sucessor, que geralmente é um membro da família.
Assim é que o fundador, por vezes, percebe o empreendimento como uma extensão de si mesmo, além de não aceitar a velhice, criando, assim, empecilhos à passagem do poder para a segunda geração da família que, em contrapartida, se julga com competência para assumir o empreendimento. Acrescente-se a isso o fato de que, em geral, a segunda geração é a responsável por introduzir a profissionalização administrativa e gerencial na empresa, o que obviamente aumenta ainda mais as resistências do fundador quanto a “largar o seu negócio” (De Vries, 1993).
Desse modo, nesse tipo de empresas “a história mais comum a respeito da sucessão é o choque de duas forças opostas: a dificuldade da geração mais velha para sair e a dificuldade da geração mais nova para esperar” (Gersick et al., 1997, p. 97).
Analisando o processo sucessório em empresas familiares brasileiras, Lodi (1987) destacou os três tipos de crise que tais organizações costumam vivenciar. A crise da sucessão costuma ocorrer por ocasião da passagem do bastão do fundador para seu sucessor, em virtude de o primeiro desenvolver extremo culto à personalidade, ser autocrata, concentrar decisões, sacrificar a família, criar obstáculos à profissionalização e ter dificuldades em treinar e avaliar os filhos, o que acaba por castrar seus herdeiros e prejudicar grandemente o processo sucessório.
Na passagem da segunda para a terceira geração que, em geral, coincide com o crescimento e a multiplicidade dos negócios da organização, é comum as empresas familiares vivenciarem a crise de liderança entre os diversos sucessores ou entre o sucessor e o sucedido, motivada pelo fato de os sucessores não apresentarem condições de liderar e assumir desafios, o que gera crise política na definição de poderes (conflito de lideranças) e sinaliza para a necessidade de profissionalização.
O terceiro e último tipo de crise caracteriza-se pela perda da identidade da empresa, que não mais sabe a que veio e quais os seus objetivos. Tal crise coincide com o acúmulo de dinheiro e gigantismo da organização e é decorrente do fracionamento do poder acionário entre vários herdeiros de interesses divergentes e distantes dos valores do fundador, que buscam unicamente a renda e não demonstram nenhum compromisso com o histórico da empresa, adotando até mesmo a corrupção para a solução de problemas isolados.
Ainda segundo Lodi (1994), com o crescimento e expansão da empresa torna-se extremamente difícil a transferência da intuição gerencial ou espírito empreendedor que são próprios do fundador para seus sucessores, o que tem levado muitas empresas familiares a optarem pela profissionalização como forma de garantir sua continuidade. A profissionalização implica a substituição de administradores familiares por gerentes contratados e assalariados que costumam levar a empresa a adotar práticas administrativas mais racionais e menos personalizadas. Em outras palavras, a empresa familiar se profissionaliza, quando sua administração passa para as mãos de executivos profissionais, em geral recrutados no mercado, muito embora este executivo possa ser também, alguém da própria família, que tenha recebido formação adequada para assumir o comando gerencial da empresa.
Identificam-se seis dimensões básicas relacionadas às dificuldades do processo sucessório: lacunas na capacitação do sucessor (falta de preparo gerencial, pouca experiência no exercício da autoridade etc.); interferências do relacionamento familiar nos negócios (rivalidade entre familiares pela posse do controle da empresa, despreparo da família para o entendimento do processo sucessório etc.); resistência do sucedido em desligar-se da empresa, restrições à profissionalização por parte da empresa, resistência à sucessão por parte dos funcionários mais antigos e falta de interesse do sucessor pelos negócios da família.
Já as dimensões que emergiram como facilitadoras do processo sucessório foram: preparação adequada do sucedido para o processo de sucessão, necessidade de profissionalização da empresa, capacitação do sucessor através de treinamento específico para o desempenho gerencial, participação da família no planejamento do processo sucessório, definição de critérios para a escolha do sucessor e assessoramento ao sucessor por meio de equipe interna da empresa.
Em síntese, a literatura evidencia que embora a sucessão constitua evento de fundamental importância para a continuidade dos negócios e sobrevivência das empresas familiares, ela poderá tornar-se traumática, se não for conduzida de forma racional e eficaz, o que demonstra a necessidade de tal processo se desenvolver através de planejamento cuidadoso e racional, que procure levar em conta a ampla gama de fatores que o afetam.